Para terror dos Democratas, 2024 chega cada vez mais perto de 1968

Como o anúncio da desistência de Joe Biden faz com que os Estados Unidos viajem ao passado

Victor Espínola
5 min readJul 22, 2024
(Reprodução: NurPhoto/Getty Images)

O ano era 1964. O resultado da eleição americana ilustrava a maior vitória da história do Partido Democrata no voto popular. Com 61.1% dos votos, o número mais alto até o momento desde a popularização do processo eleitoral em 1824, Lyndon B. Johnson era eleito Presidente dos Estados Unidos.

Durante seu mandato, o texano enfrentou desafios em anos tumultuados da história americana. Apesar de ser o signatário de leis como a dos Direitos Civis de 64 e dos Diretos de Voto de 65, ambas combatentes contra a segregação pregada em estados do sul do país, movimentos sociais argumentavam que a realidade para a população negra americana continuava a mesma. O líder do principal deles, Martin Luther King, seria assassinado em abril de 1968 em um hotel no estado do Tennessee. A violência era marcante e a revolta tomava conta da população de maneira geral. É importante lembrar que Lyndon B. Johnson era vice de John F. Kennedy, quando o então presidente foi assassinado a tiros em um atentado no Texas.

A ascensão da “nova esquerda” e a chamada “contracultura da década de 60” também pressionavam LBJ, que viu sua popularidade despencar com sua controversa gestão sobre a Guerra do Vietnã, que já durava 12 anos quando ele decidiu aumentar sua ofensiva no conflito e chegar a ter mais de 500 mil soldados em território inimigo. A imprensa cobria dia e noite o fato de que ao menos mil americanos eram mortos por mês na guerra, fazendo com que o presidente tivesse que, diversas vezes, se justificar em pronunciamentos e comunicados oficiais.

Em novembro de 1968, seriam realizadas as eleições presidenciais americanas. Do lado do Partido Republicano, o candidato era o ex-presidente Richard Nixon, que, apesar de enfrentar certas dificuldades no início das primárias do partido, confirmaria sua candidatura em agosto daquele ano na Convenção Republicana.

Já do lado do Partido Democrata o sentimento era o oposto. Incialmente, era esperado o óbvio para a época. Jamais um partido ousou em ter um presidente em serviço disputar oficialmente uma eleição primária, e o apoio a Johnson era total. Porém, a “Ofensiva de Tet” jogou um balde de água fria em todos os planos do partido e do próprio presidente. A ofensiva foi considerada um ato inexplicável para os eleitores e para os políticos democratas, que naquele momento já contavam com uma retratação de LBJ pela sua má condução da guerra nos seus três anos de mandato.

Os Democratas chegavam para a primária de New Hampshire envolvidos em uma crise partidária, e os resultados fizeram com que o partido reconhecesse isso. O atual presidente acabaria vencendo o estado por uma simples diferença de 7%. O resultado chocou o país, tendo em vista que isso significava que um outro candidato, que não estava nem entre as opções (ou seja, foi escrito por extenso pelos eleitores), ficou a poucos votos de derrotar Lyndon B. Johnson. Este candidato era Eugene McCarthy, senador do Minnesota, o único até o momento a desafiar oficialmente o presidente dos Estados Unidos. Logo após o anúncio dos resultados, Robert F. Kennedy também anunciou sua candidatura para as primárias democratas.

O anúncio da candidatura do irmão do ex-presidente JFK foi a gota d’água para Lyndon B. Johnson. Duas semanas após o anúncio, em março de 1968, o presidente realizou um pronunciamento para todo o país afirmando que não iria aceitar a candidatura do Partido Democrata e ao mesmo tempo iria suspender as ofensivas no Vietnã. Posteriormente, após vencer a importante primária do estado da Califórnia, Robert F. Kennedy seria assassinado no mesmo dia, em mais um atentado que mancharia a história americana.

A eleição aconteceu em novembro daquele ano e consagrou Nixon como o novo Presidente dos Estados Unidos.

Mapa do colégio eleitoral na Eleição Presidencial de 1968

Como ela se compara a 2024

As semelhanças entre 1968 e 2024 são claras. A começar pelo contexto histórico de ambas. Enquanto Lyndon B. Johnson, democrata, era atacado por partes de sua própria base pela maneira com que estava administrando a Guerra do Vietnã, Joe Biden, democrata, é atacado por sua própria base pela sua condução em relação a guerra entre Israel e Hamas.

Já no contraste entre ambos os partidos, é importante notar que o Partido Republicano não teve qualquer sinal de dúvida na escolha de seu candidato. Dos 2365 delegados votantes, Donald Trump venceu 2268, enquanto Nikki Haley apenas 97. Do lado democrata, Joe Biden desistiu de sua reeleição por meio de um comunicado, depois de imensa pressão por parte do seu próprio partido, principalmente por Chuck Schumer (NY-D), Líder da Maioria no Senado e Nancy Pelosi (CA-D), ex-presidente da Câmara dos Representantes.

Ainda observando o movimento partidário, o protagonismo de um candidato independente, assim como em 1968 com George Wallace, é notório. Não bastasse isso, Robert F. Kennedy Jr., filho do candidato democrata assassinado naquele ano é o personagem. Apesar da baixa chance de qualquer vitória no colégio eleitoral, RFK Jr. segue firme em sua campanha.

O momento de alta polarização política é similar ao de 1968, e no tópico da violência política é impossível não comparar os atentados contra RFK e Donald Trump. Enquanto o ex-presidente sobreviveu, o irmão do (também) assassinado JFK, não.

O cenário não é dos melhores para o Partido Democrata, que agora corre contra o tempo e contra a campanha de Donald Trump para firmar Kamala Harris como candidata e forte adversária aos republicanos. É preciso aprender com a campanha de Hubert Humphrey em 1968, que encontrava um cenário similar neste ponto da corrida presidencial e acabou saindo derrotado no colégio eleitoral apesar de ter 42% contra 43% de Nixon no voto popular.

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